Esse texto não é meu, mas de uma grande amiga do yahoogrups Maria Helena contando um pouco da luta de seu irmão surdo e acompanhando esse texto nada melhor de que uma musica de 1990 que fala de qualquer liberdade, George Michael Freedom:
Amauri
Vou aproveitar este tema, embora não tenha sido esta a intenção do Marcelo, para colocar um problema sério aqui no Brasil. Meu irmão é surdo bilateral profundo, último estágio antes da surdez total e é oralizado.
Anatomica e fisiologicamente não existe surdez total ou mudez total, apenas pessoas com pequenos resíduos auditivos que são descobertos por meios de testes de orelhinhas por ocasião do seu nascimento (obrigatório em todos os hospitais públicos) e que podem em última instância, recuperar a audição por meio de cirurgia de implante coclear, custeadas pelo Governo Federal, por meio do Sistema Único de Saúde - SUS (O Brasil é o segundo país mais avançado do mundo nesta especialidade) e em outros casos, adotar, de acordo com o grau de deficiência, o uso de próteses auditivas (também custeadas pelo Governo através do SUS). Os médicos em geral desconhecem estes recursos e não orientam adequadamente as pessoas, sobretudo as mães, uma vez que, os pais são os primeiros a sair de casa por não suportar o ônus de assumir as responsabilidades com filhos deficientes auditivos.Quanto à mudez, o que acontece é que o surdo, quando não educado no processo da fala, acaba atrofiando as cordas vocais e com isto, assume o mutismo. Outros, durante o seu aprendizado, sentindo a dificuldade em falar corretamente assumem covardemente o mutismo. Todos usam por comodismo a linguagem gestual classificada como Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS - para se comunicar.
Pelo diagnóstico dos Médicos e dos Fonoaudiólogos e lamentavelmente dos falsos técnicos no assunto, eles entendem que o melhor caminho para a pessoa surda é a comunicação por meio da linguagem LIBRAS, porque é mais barato e, dentro da lei do menor esforço, muito mais fácil para se comunicar do que por meio da oralização.
O Ministério da Educação, através da Secretaria de Educação Especial, realiza o processo de educação da pessoa surda pelo bilingüismo, isto é, as crianças aprendem nas escolas especiais, simultaneamente, oralização e linguagem de sinais. O grave problema que vem acontecendo é que, novamente dentro da lei do menor esforço, as crianças estão sendo desestimuladas a se oralizar e estimuladas a se comunicar exclusivamente através da LIBRAS.
Meu irmão é conselheiro do CONADE (Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência) integrante da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República e cansou de interromper oradores (muitas vezes no Congresso Nacional, durante audiências públicas que discutiam o Projeto de Lei de estatuto da pessoa com deficiência) que defendiam o famigerado sistema de sinais e bradavam que alguem com tal nível de surdez nunca poderia falar.
Meu irmão levantava a mão e dizia:
-Sou surdo bilateral profundo e falo como todo mundo pode ver, possuo diploma universitário de economista que conquistei com 23 anos e mais de 40 cursos de especialização, inclusive ao nível de Pós-graduação. Comecei a trabalhar com 20 anos e trabalho há quase 40 anos. Era um espanto!
O caso é que, como a natureza humana é egoista e medíocre, os surdos não oralizados tem inveja e rancor dos oralizados. Então, não querem que outros surdos aprendam a falar. Defendem a linguagem segregacionista dos sinais com unhas e dentes. Como assumiram todos os postos importantes no ramo, eles conseguiram que a linguagem LIBRAS fosse considerada segunda lingua oficial (nacional) ensinada nas escolas e, por meio de instrumentos legais, que todas as sociedades civis e comerciais tenham intérpretes de LIBRAS para se comunicar com eles.
O grave problema que vem acontecendo no mercado é que as empresas, obrigadas por lei a contratar pessoas com deficiência, resistem em escolher os surdos por que terão que contratar também intérpretes - são duas contratações.
Outro problema sério é o concluio entre surdos e os intérpretes, sobretudos nos momentos de interpretação nas salas de aulas, provas escolares, vestibulares e concursos. Os intérpretes acabam, involuntariamente, tornando-se cúmplices destas pessoas, muitas vezes em razão da própria subsistência financeira.
Não estou criticando a Libra em si, ela pode ser útil para os que não conseguem mais falar porque não foram oralizados desde cedo. Critico os que, em nome dela, impedem crianças surdas de aprender a falar e ficar integradas normalmente na sociedade como meu irmão, e as obrigam a falar por sinais e a pertencer a um gueto o resto da vida, dependendo de quem saiba usar esta linguagem.
Claro, aprender a falar exige dedicação do surdo, dos familiares, das escolas especializadas. Mas é possível e não é nenhum bicho de sete cabeças. Sei porque participei e presenciei.
Não é possível que médicos, professores e familiares não percebam que é muito melhor para um surdo comunicar-se através da fala do que viver como segregado restrito aos sinais, no gueto de usuários da LIBRAS. Meu irmão é casado pela terceira vez, tem três filhos, mora e trabalha em Brasília, no Ministério dos Transportes há 34 anos, tem um bom salário e fala até no telefone (tem celular pessoal e percebe a ligação pelo vibracall).
No entanto, continua uma guerra (que chega a gerar ódios) entre oralizados e usuários das Libras. Meu irmão vem tentando aumentar o número de programas que possam atender os oralizados para mudar esta situação. Devemos lembrar que de acordo com o censo do IBGE do ano de 2.000, 14,5 % da população brasileira é de pessoas com deficiência, totalizando 24,5 milhões de pessoas. Sendo que, destas, 05 milhões são surdos e 04 milhões oralizados. E apenas 01 milhão só se comunica por meio da linguagem LIBRAS.
O Brasil é um dos países mais avançados do mundo na legislação da pessoa com deficiência mas estamos ainda, engatinhando, e muito, no cumprimento desta legislação.
Meu irmão usa aparelho de audição mas, em razão da deficiência tecnológicas dos atuais aparelhos telefônicos e sobretudos dos aparelhos celulares adaptados, pela falta de cumprimentos destas leis, muitas vezes não ouve bem o que é dito ao telefone e pede ajuda de alguém ao lado para falar por ele. Também usa as legendas da TV aberta em alguns programas como os noticiários e novelas, mas luta no CONADE para que os filmes nacionais e todos os programas de TV abertos e a cabo sejam legendados, como também possuam descrição de imagens para atender os deficientes visuais.
Enfim, tive que escrever, apesar da falta de tempo, porque este assunto me mobiliza. É uma maldade que não consigo entender impedir outros surdos de terem o que meu irmão tem em nome da lei do menor esforço, dos desinteresses dos governantes e da inveja e egoísmo de poucos.
E a LIBRAS cresce cada vez mais no Brasil. Meu irmão luta com moinhos de vento. Mas como é determinado e obsessivo acho que pode vencer.
beijos frustrados,
maria helena bandeira